quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Regimento Interno da Renoi


Já está disponível na internet o Regimento Interno da Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi). Leia o regimento na íntegra

Caso Joanna Maranhão: Crônica de uma morte anunciada


Hoje pela manhã acordei com uma matéria no Bom Dia Brasil, da Rede Globo sobre o abuso sexual sofrido pela nadadora Joanna Maranhão, quando do início de sua carreira no Recife. A matéria trouxe o assunto como fato concreto, realmente acontecido, quando na verdade não passa de uma acusação de um possível crime acontecido há 11 anos. A forma como a imprensa brasileira está noticiando os fatos me lembra um dos ótimos livros de Gabriel Garcia Marquez, o "Crônica de uma morte anunciada".

Apesar de não ter assitido a todas as publicações do dia sobre o assunto foi fácil perceber pelas matérias veículadas na internet, o rumo que a imprensa brasileira está dando ao caso. O fim me parece não ser um dos melhores. Começando pela primeira matéria do dia sobre o assunto, a do Bom Dia Brasil, da Rede Globo, que além dar o caso como fato concreto, trouxe depoimentos de outros técnicos da nadadora e sonoras com pais de jovens atletas dizendo coisas do tipo: "não podemos deixar nossos filhos sozinhos, principalmente na hora de ir no banheiro".

Os erros cometidos em 1994, com o exemplar caso da Escola Base, parecem resurgir das cinzas. Primeiro, a nadadora usa a imprensa, a SporTV News da França, para tornar pública a acusação a seu ex-treinador. Já no Brasil e com o clima vamos linxar o técnico, a mãe da nadadora torna público o nome do acusado. A imprensa e suas ferramentas de hotnews (notícias quentes) e notícias de última hora nem se aperreiam em divulgar o nome do possível violador.

A divulgação pública do nome do acusado, principalmente pela mídia faz com que medidas sejam tomadas de forma precipitada, a exemplo da demissão do técnico de seu atual emprego, o que já aconteceu. Joanna e sua mãe, apesar de ressentidas ainda não deram entrada num processo contra o ex-técnico e se irão fazer, farão por pressão indireta da mídia que precisa de mais fogo na lenha.

Fogo na lenha que pode queimar a própria imprensa, ao não apurar corretamente o caso. Apuração esta que deveria começar com perguntas simples do tipo: Por quê denunciar só agora? Por quê colocar este fato acontecido há 11 anos como motivo dos maus treinos e consequentemente maus resultados? Por quê ainda não deram entrada num processo contra o ex-técnico?

A imprensa e a violência sexual - A imprensa brasileira ainda não aprendeu a cobrir corretamente casos jurídicos, judiciais e até mesmo os policiais. Quando fazem bem feito, fazem de forma tendenciosa. Tratam acusados como culpados por puro despreparo e desconhecimento de trâmites judiciais. No caso da violência sexual, a imprensa sempre tem tratado o tema com certa irresponsabilidade, divulgam nomes de possíveis agressores como culpados, sem levar em conta as consequências que podem ser sofridas pelo acusado numa sociedade que pune a ferro e fogo violadores dos direitos sexuais.

Voltando ao caso de Joanna Maranhão, só mesmo a imprensa poderá culpar o ex-treinador, já que será muito difícil, já que tantos anos se passaram, provar quem está ao lado da verdade. Ao tratar o acusado como culpado, a imprensa cava sua própria cova, de uma morte anunciada numa crônica não tão engraçada como a de Gabriel Garcia Márquez.

Relexões sobre os personagens negros em Duas Caras

A novela global Duas Caras, deve ser uma das que mais possuem personagens negros em uma novela não épica. É também esta, uma das poucas novelas em que os negros não atuam apenas como empregados de patronos brancos e mesmo assim ainda está impregnada de signos que perpetuam o preconceito, étnico, social e de gênero na mídia brasileira. Vamos analisá-los um a um...

O primeiro deles é o núcleo do advogado Barretão, interpretado por Stênio Garcia. Sua filha se apaixona por um negro, o Evilásio, vivido por Lázaro Ramos. Em um dos capítulos ele diz claramente que não gosta desta raça, desta gente de cor. Será que precisamos levantar a bandeira do combate ao preconceito desta forma? Acredito que é muito melhor vencermos o racismo mostrando igualdade e não diferenças, ou melhor, de que somos diferentes, mas que todos devemos nos respeitar, independente de cor, raça ou credo. Seria muito melhor se ele aceitasse e recebesse de braços abertos o negro da favela dando uma lição de moral.

Ainda no núcleo do advogado, seu filho Barretinho passa boa parte dos capítulos assediando a empregada negra. Neste caso existe dois problemas: o da empregada assediada sexualmente e o de que tudo aponta que eles devem no final da novela ficarem juntos. Aí é a empregada negra sucumbindo ao patrão branco. Pode parecer que estou exagerando, mas o conjunto de códigos da novela me faz crer que é esta a idéia.

Ainda num dos primeiros capítulos da novela, um dos assessores do vilão Marconi Ferraço dizia que era melhor logo expulsar os invasores da área onde hoje cresceu a favela, antes que eles aleguem serem descendentes de quilombolas e o governo cedesse o terreno. Uma simples frase contribui para desconstrução dos movimentos e comunidades que almejam serem reconhecidos de descendência quilombola. Esta frase os coloca como aproveitadores de uma situação de reparação. A mesma emissora há pouco tempo publicou matérias em que anunciava fraudes em processos de reconhecimento de comunidades quilombolas na Bahia.

Outro ponto a ser discutido é o personagem da atriz Adriana Alves, a morena, ex-namorada do Juvenal Antena. Ela sumiu por dez anos e agora reapareceu com o título de Condessa de Finzi Contini. Ela conseguiu o título após casar-se com um italiano rico e muito velho. Logo tornou-se viúva, a condessa retorna ao Brasil. É o típico caso da mulher, principalmente da mulata brasileira tipo exportação, que se envolve com os gringos e ficam ricas no famoso golpe do baú. Ainda que houvesse amor, entre ela e o marido falecido, a forma como ela se reapresentou a colocou com uma prostituta aproveitadora.

Rudolf Stenzel é um aluno negro da Universidade Pessoa de Morais e considerado um mau exemplo, já que nunca frequenta as aulas e mobiliza politicamente alguns outros alunos. No último capítulo que assisti, Rudolf dá uma queixa de racismo contra o reitor Fernando Macieira, personagem de José Wilker. A queixa então é discutida por todos, já que, sem conhecer o aluno por suas ausências, o reitor o chama de Zumbi, no sentido de morto-vivo. O episódio fortalece a desconstrução das denúcias de preconceito feitas por pessoas e movimentos negros no país, já que coloca o caso como uma má interpretação do negro. Neste caso é verdade, mas na maioria das vezes não é caso de má interpretação e a Vênus platinada quer que imaginamos que seja.

Até na favela da Globo, a maioria da população é branca e o líder também, indo contra toda a realidade da maioria das favelas do país. No caso da Amap (Associação de Moradores Portelinha), o líder Juvenal Antena é branco, sua assistente é branca, seus capachos, na maioria são brancos, apenas seu sucessor, o Evilásio é negro. Apesar de existir um núcleo essencialmente negro, do terreiro de Mãe Setembrina (Chica Xavier), a maioria dos moradores da favela também são brancos. E este este núcleo ainda sofre com a repressão dos evangélicos...

Digo que tal personagem é branco ou negro de acordo com o senso-comum, já que num país mestiçado como o nosso é muito difícil definir o que é branco ou que é negro. Quando falo de questões raciais também faço baseado no senso-comum, já que não comungo do termo e acredito que ao dizermos "sou da raça negra" só reforçamos a estratégia de segregração branca de tempos passados, já que somos todos de uma única raça, mas de etnias, origens e referências diferentes.

Não faço parte de nenhum dos movimentos negros do país, pois não comungo com nenhuma das ideologias adotadas, mas também não desvalorizo suas lutas e conquistas. Este texto é apenas a minha visão sobre a novela e espero levantar um debate sobre o tema.

O Quênia, Bhutto e a correspondência internacional no Brasil

O mundo cada vez mais globalizado, ferramentas de interatividade e comunicações cada vez mais alcançáveis e potentes e agências de notícias cada vez mais poderosas podem dar, no Brasil, um fim na boa função de correspondente internacional.

O mundo cada vez mais globalizado, ferramentas de interatividade e comunicação cada vez mais alcançáveis e potentes e agências de notícias cada vez mais poderosas podem dar, no Brasil, um fim na boa função de correspondente internacional. Ainda existem aqueles que estão sempre fora do Brasil, como Marcos Losekann, Sônia Bridi ou Jorge Pontual, que estão sempre fora mas nunca num único país.

Mas porque é preciso ficar mais tempo? Será que um ano, dois que sejam é tempo suficiente para conhecer os conflitos históricos, a cultura e o pensamento político de um país? Este tempo é justamente o período de amadurecimento do correspondente, quando seu texto/matérias estão no auge são transferidos. Existe uma diferença muito grande entre escrever notícias "do-para" seu próprio país e produzir matérias para seu país sobre o país d´outros. É preciso que o receptor, nós brasileiros, tenhamos o contexto completo da situação para entender a notícia de uma forma aproveitável.

Quênia e Bhutto

Dois episódios recentes mostram a falência da correspondência internacional do nosso país: a morte da ex-premiê do Paquistão, Benazir Bhutto e os conflitos políticos no Quênia. O primeiro exemplo mostra a qualidade e a força das agências de notícias como a Reuters, que pautaram os muitos jornais impressos do país, com imagens iguais e textos recozidos. Já as mídias televisivas e internet mostram a interatividade destas agências com um pouco de correspondência internacional, imagens recentes e de arquivo de toda a família Bhutto e, principalmente a Globo, fez uma boa contextualização do "episódio mais sombrio da história do Paquistão".

O segundo exemplo, dos conflitos políticos no Quênia mostram dois pontos a serem refletidos: a falta de contextualização sobre o conflito, já que muitas matérias apenas abordavam o incêndio brutal numa igreja em Nairóbi e somente depois, quando os conflitos tomaram uma dimensão maior, a grande imprensa contextualizou o assunto, mas de forma tímida, acredito, mas não posso também ficar no "achismo", que este episódo do Quênia mereça uma atenção maior.

O segundo ponto é ainda mais importante. Nossos correspondentes estão nos lugares certos? Não, não estão. Os Estados Unidos aos poucos perdem a sua potência econômica e cedem espaços para os países asiáticos. Nossos correspondentes ainda estão presos em Nova Iorque, Londres e raramente em algum país do Oriente Médio. O Oriente tão desconhecido para nós ocidentais não ganhou a merecida atenção da mídia. Enquanto o jornalismo o esquece, os orientais elevam-se econômicamente.

As entradas dos correspondentes nos jornais televisivos brasileiros, sobre a morte de Bhutto mostra que nossa correspondência internacional reproduz correspondência. "Marcos Losekann, de Londres, para o Jornal Nacional". "Sônia Bridi, de Nova Iorque, para o Jornal Hoje". Nenhum dos nossos correspondentes estavam em algum país da região.

Isso é ruim para o leitor-telespectador, isso é ruim para o jornalismo brasileiro, que às vésperas de comemorar seu bi-centenário em terras canarinhas, vai no mesmo barco de experiências que não deram certo...

A mídia e o fim da CPMF

"A maior derrota do Governo Lula", veio com sabor de vitória para a mídia brasileira. Muitos jornais não conseguiram esconder seu ar de contentamento nas matérias publicadas na manhã desta quinta-feira (13), quando, ao final da contagem, a base aliada contabilizava 45 dos 49 votos necessários para prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A mídia tem sua parcela de culpa, ou melhor mérito, na não aprovação da CPMF? Sim, ela tem.

Lembremos que o imposto foi criado em 1993, na época, a oposição formada em sua maioria por petistas e outros partidos "vermelhos" eram contra. Por três vezes, a contribuição foi prorrogada sob o silêncio da mídia brasileira.

Desta vez, a prorrogação foi um prato cheio para a imprensa. Os oposicionistas da época defendem a sua manutenção, enquanto os parteiros tucanos e aliados visam a sua extinção. A decisão do Governo Lula foi apresentada como uma questão ética pela grande mídia. Se eles não a queriam no passado, porque querem a CPMF agora?

Como numa conspiração perfeita, o agendamento do caos da saúde também colaborou com a queda do tributo na noite de ontem, em sessão dirigida pelo novo presidente do Senado, o potiguar Garibaldi Alves. O governo alegava que a saúde seria a área mais afetada com o fim da contribuição. A mídia, para lembrar e rechaçar a tentativa do governo em prorrogar o tributo para o bem-estar nacional, resgatava as matérias do agenda-setting da saúde, mostrando que com ou sem o imposto a saúde passa mal.

Depois da saúde, que não passa bem às vistas da mídia e da "opinião pública" ou publicada é o próprio Senado, no episódio brejeiro do senador alagoano Renan Calheiros. Nesta, a mídia nos dava a entender de que, como o presidente da Casa Legislativa é alido ao Governo Lula, esta era uma parte do governo. Se a credibilidade política não vai bem desde os tempos mensaleiros, agora despenca. A mídia investe na queda do senador e constrói a nova musa Mônica Veloso.

A mídia traz à tona o agendamento da CPMF também como uma responsabilidade do Senado Nacional em reprová-la, a fim de mostra sua independência em relação ao Governo Lula e como forma de resgate de sua credibilidade junto à "opinião publicada".