quarta-feira, 30 de maio de 2007

Censura ronda jornal-laboratório

Edição 435 de 29/5/2007
www.observatoriodaimprensa.com.br

IMPRENSA UNIVERSITÁRIA
Censura ronda jornal-laboratório

Fernando Conceição

Desde o início de 2006, e até agora, o curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação (Facom), da Universidade Federal da Bahia, enfrenta um debate que pode culminar na instalação da censura prévia em seu jornal-laboratório. Está prevista para meados deste mês de junho uma reunião departamental, instância decisória que reúne todos os professores da faculdade, para deliberar sobre o tema. A decisão se dá reacionariamente, isto é, como reação a um artigo assinado publicado no número 9 do jornal, em uma seção denominada "Ágora", referência justamente ao espaço de debates públicos de Atenas, cidade-Estado gênese da democracia. Ver aqui.

Por surreal, esdrúxulo e absurdo, uma escola de Comunicação que em tese deveria radicalizar na ampliação dos direitos constitucionais que asseguram a livre manifestação de opinião e pensamento, cogita constituir um "Conselho Censor" (eufemisticamente denominado Conselho Editorial). Este teria dentre as suas "responsabilidades", de acordo com os proponentes da excrescência, a de reunir-se e antecipadamente ler e aprovar o que deve ou não deve ser publicado no Jornal da Facom e demais produtos laboratoriais que venham a circular com a chancela da faculdade.

O Jornal da Facom passou a circular no primeiro semestre de 2006, sob responsabilidade deste escrevinhador - que assumiu a disciplina teórico-prática na qual a produção do jornal-laboratório repousa. Antes, e por longos oito anos, a faculdade possuía um jornal sem periodicidade regular (saía quando dava), com tiragem e circulação restritas (somente para o campus), com pauta endogâmica, isto é, abordando apenas assuntos relativos à própria UFBA. Chamava-se simplesmente Jornal Laboratório.

A cúpula de mando

Ao assumir, foi proposto um novo projeto editorial. Tablóide, em vez do formato standard anterior. Periodicidade mensal. Tiragem média de 10.000 exemplares. Pauta abrangente, com enfoque sócio-político-cultural nos acontecimentos de Salvador e sua grande região metropolitana, sem abandonar a vigilância sobre o funcionamento da universidade. Circulação e distribuição gratuitas ampliadas: além de todas as faculdades da UFBA e demais públicas e privadas, para centenas de pontos culturais, escolas, cursinhos, veículos de comunicação, sindicatos e casas legislativas.

Como o jornal é pago pelo dinheiro público, o entendimento é que deveria servir ao interesse público. Entre os objetivos, demonstrar ser possível o exercício de um jornalismo sem amarras, experimental em todos os sentidos - coisas que raramente o estudante poderá vivenciar ao ingressar no chamado "mercado". Um jornal que deveria dar voz, principalmente, a fontes "que não têm voz". Dessa maneira, radicalmente não-oficial, pluralista, de investigação jornalística. E com uma versão digitalizada.

Apresentado assim, dessa forma, o novo projeto editorial começou a gerar controvérsias dentro da Facom, isto é, na cúpula de mando incrustada em espaços gestores do mundo acadêmico. O recurso financeiro para bancar a empreitada mais que triplicou - pegando de surpresa a própria estrutura central da UFBA, à qual foram também apresentados projeto e o orçamento. Neste 2007, os oito números do ano letivo foram orçados em 32 mil reais, mas a direção central da UFBA alocou 28 mil reais para a impressão, obrigando à diminuição da tiragem média para 7.500 exemplares por edição.

As obstruções cotidianas

Ademais, foi proposta a mudança de nome do jornal. Entre as sugestões apresentadas, os alunos da disciplina (em torno de 30) decidiram denominá-lo Merda!, no sentido de boa sorte, êxito, sucesso - expressão comumente adotada em algumas esferas artísticas. A sugestão foi terminantemente vetada pela direção e pelo departamento após quatro meses de polêmica e quatro edições nas quais a logomarca do jornal foi substituída por uma arte que remetia a um rasgão sobre a capa.

No final do primeiro semestre de 2006, o conjunto departamental decidiu pelo nome Jornal da Facom. Para que o público ao qual o veículo se destina prioritariamente não concluísse que este "da Facom" significasse exclusividade ou propriedade desta faculdade, a equipe editorial solucionou o impasse ressaltando na logomarca o "J" e o "F" do nome.

Instalado o mal-estar desde aquela época, por várias vezes foi sugerida a criação de um tal "Conselho Editorial". Presente nos momentos em que isto se aventava, este escrevinhador sempre argumentou contra a medida. Primeiramente, porque tal sugestão sempre foi apresentada como reação ao novo projeto editorial, mal-dissimulando desconfianças da cúpula dirigente quanto ao método e à prática jornalística agora emulados nos estudantes. Depois, por razões práticas. Tal "conselho" pode vir a ser um entrave ao ritmo imposto à produção do novo projeto editorial, que requer agilidade na execução das pautas - 80% de reportagens, o restante colunas opinativas -, na editoração eletrônica, na revisão, no acompanhamento gráfico e na distribuição dos milhares de cópias por toda Salvador.

Tudo isso é feito por vezes varando noites na redação da faculdade, inclusive fins de semana e feriados. O planejamento dessa tarefa, aliado às discussões teóricas exigidas pela disciplina, requer o menor grau possível de burocratização para que a periodicidade e circulação do jornal sejam mantidas. Envolvidos com suas próprias rotinas acadêmicas e interesses particulares, professores de outras matérias, alguns distantes da prática e do "pique" de uma redação jornalística há tempos, seriam um peso a mais nas diversas obstruções cotidianas enfrentadas pelo jornal-laboratório.

A heresia do dia-a-dia

Tal "conselho" jamais foi sugerido como solução aos entraves, entre os quais a falta de equipamentos adequados ou suficientes na redação, a não instalação de telefones ou fax no referido espaço físico, os freqüentes atrasos na liberação do dinheiro orçado para a impressão do jornal e as más condições materiais de trabalho dos alunos envolvidos com o projeto. O fato é que, pela primeira vez em sua história, o curso de Jornalismo da UFBA tem, de fato e não "de mentirinha", um jornal-laboratório regular. Nos últimos meses se tornou referência entre os demais cursos de jornalismo em Salvador. Sua repercussão pública se reflete nas dezenas de cartas e mensagens recebidas na redação, algumas de crítica, outras de estímulo, várias de sugestões de pauta.

Entretanto, tais fatos positivos parecem incomodar professores mais habilitados para as teorias de Comunicação e Conspiração do que para o jornalismo. Eles desconfiam de todas as reportagens que contrariem suas convicções e muitos estão dispostos a calar, impondo restrições de gosto e de conduta, as opiniões alheias.

Nisso se transformou grande parte das Escolas de Comunicação: numa espécie de feudo de comunicólogos e pseudo-críticos de jornalismo, pouco afeitos a lidar com a realidade profissional, muitos deles sem nunca ter pisado o pé num jornal de verdade. Ensinar aos estudantes que "jornalismo é gastar sola de sapato", é ir para a rua, é "comer poeira" e receber "chá de espera" é ser agressivo e ser leitor de jornais - isso soa, em muitos desses cursos de jornalismo, como uma heresia.

"Doutores do conhecimento escolástico"

Foi nesse contexto e na ausência extemporânea do professor-responsável pelo jornal, que a proposta de se pautar a criação do Conselho Censor foi discutida e recebeu aprovação entusiástica, de acordo com relatos posteriores. Aquela ausência do principal interessado foi extemporânea porque presente estava nas três horas anteriores da reunião departamental de maio, período em que o assunto não apareceu. Extemporânea porque motivada por compromisso de docência em disciplina semanal num programa de Pós-Graduação da própria faculdade. Por si só, a inclusão sorrateira da discussão do tema é prova inconteste de desonestidade.

No Brasil funcionam cerca de 500 cursos de Jornalismo regularizados, 74 deles públicos e o restante, privados. A maioria tem habilitação específica em jornalismo. Quantos obedecem à antiga Resolução 03/78, do Conselho Federal de Educação, que obriga os cursos a manterem produtos laboratoriais, como jornal-laboratório, não dá para saber.

Por quase três décadas, a graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, pela qual este escrevinhador passou em meados dos anos 1980, existiu sem cumprir as normas exigidas por aquela resolução e outras. Do final da década de 1990 para cá é que, aos trancos e barrancos, vem se buscando pôr em funcionamento laboratórios nos quais os estudantes entram em contato com exercícios de prática jornalística.

No momento em que um projeto, de tantos possíveis, deslancha e dá visibilidade aos estudantes nele envolvido, os "urubus" da censura (Barbara Gancia), travestidos agora em doutores do conhecimento escolástico, pretendem enquadrá-lo em seu moralismo arbitrário, medroso e desavergonhado.

terça-feira, 29 de maio de 2007

A internet e o Media Watching

A crítica de mídia, ou media-watching, é uma prática que surgiu nos Estados Unidos - com a publicação intitulada “Fair” (Fairness & Accuracy in Reporting), fundada em 1986, na era Reagan, com o propósito de fiscalizar a intromissão do poder econômico e político na imprensa - e sensibilizar a sociedade e os profissionais de comunicação quanto à responsabilidade que o jornalismo desempenha, como serviço público que deve ser usado em favor da comunidade.

A prática então passa a ser exercida em outros países como a França, onde foi fundado, o Observatoire de la presse, e em Portugal com a revista Obercom - Observatório de Comunicação. No Brasil, a mídia começou a ser objeto de crítica por iniciativa do jornalista Alberto Dines, diretor de redação do Jornal do Brasil, em 1965. Após visita ao World Press Institute (vinculado à Universidade de Columbia -EUA), Dines surpreendeu-se com o boletim “Vencedores e Pecadores”, que fazia a crítica interna do jornal The New York Times. De volta ao Brasil, agora ao lado do jornalista Fernando Gabeira, Dines lança uma publicação que funcionou como fórum de críticas à mídia, o “Cadernos de Jornalismo e Editoração”, a primeira experiência de crítica de mídia brasileira.

O media watching só ganhou mais espaço quando empresas, preocupadas em manter a credibilidade com os seus leitores, resolveram utilizar um serviço de atendimento criando o cargo de Ombudsman, um profissional que ouve as reclamações, investiga os comentários e queixas sobre o conteúdo do jornal e aponta os erros encontrados nas edições, recomendando ações corretivas. Como o caso da Folha de São Paulo, que até hoje mantém uma coluna de ouvidoria.

As experiências de observação de mídia no ambiente impresso brasileiro não deram certo. Muitas se extinguiram, com exceções da Folha de São Paulo, que, como já foi citado anteriormente, publica a sua coluna de ouvidoria, e da Revista Imprensa, de periodicidade mensal.

O media watching no país dá seus passos mais largos concomitante ao ritmo que a internet também avança ao uso popular. Em 1996, surge o Observatório da Imprensa, que tem à frente, o já experiente crítico de mídia, Alberto Dines. A experimentação do Observatório, coloca a internet com um campo propício para a cultivação do media watching, principalmente por se afastar dos altos custos de produção gráfica e aproximar-se da velocidade da informação.

A facilidade para se colocar um site no ar é muito maior comparada à dificuldade de publicação de um veículo impresso, televisivo ou radiofônico. A crítica de mídia transita principalmente pelo meio acadêmico, entre professores e alunos de graduação e pós-graduação das escolas de jornalismo do país, sejam elas estatais ou da rede privada. Esta facilidade se transfigura na maior participação de professores e alunos que praticam o media watching em aulas opinativas ou não, dentro dos laboratórios de informática das escolas.

Outro ponto positivo da internet para a expansão dos observatórios de imprensa no Brasil é a instantaneidade da informação, fundamental, pois, no compasso que as publicações da grande imprensa são emitidas, elas são analisadas e, esta análise já pode ser lida nos sites de observação de mídia. Isto faz com que a crítica não se distancie, em tempo e espaço, do conteúdo publicado e criticado.

Com a hipertextualidade, presente apenas no jornalismo online, o leitor pode visualizar o conteúdo analisado no mesmo momento e tipo de veículo em que está lendo a crítica, através de links. Além disto, a internet traz a ferramenta de interatividade com o público, que de acordo com Bardoel e Deuze (2000), permitem transformar o leitor/usuário em parte do processo. As duas ferramentas juntas, a hipertextualidade e a interatividade, propiciam que o leitor/usuário emita uma segunda crítica, fazendo da observação de mídia na internet, um processo muito mais democrático de análise e crítica de mídia.

O ambiente virtual e a experiência do Observatório da Imprensa são tão positivos ao media watching, que outros sites surgiram ao longo destes 11 anos de crítica de mídia no Brasil. Citarei algum deles: Canal da Imprensa; SOS Imprensa; Mídia e Política; Monitor de Mídia; NEMP; Análise de Mídia; Agência Unama e ANDI.

Agora, analisando os sites de crítica de mídia, observamos que eles estão acompanhando o desenvolvimento da própria internet e já disponibilizam ferramentas como o RSS, comentários nos textos publicados, envio por e-mails e lista dos textos mais lidos.

Uma análise retroativa nos remete que, apesar de o Observatório da Imprensa ser o primeiro site de media watching brasileiro e um dos primeiros de conteúdo jornalístico do país, ele já pula, logo ao nascer, a primeira fase do webjornalismo; o da transposição, ou webjornalismo de primeira geração. Ele nasce com conteúdo próprio para o veículo online, e também não possui a fase de metáfora, já que não tem referências do meio impresso.

É também o Observatório, um dos primeiros veículos a percorrer o processo inverso da convergência. Ele é criado na internet, passa para o ambiente televisivo e depois ao radiofônico, para por fim possuir uma edição impressa. A versão impressa do Observatório da Imprensa é transposta do veículo virtual, ou seja, um compilado dos melhores textos publicados no Observatório na internet. Sua periodicidade é mensal, mas não tem uma distribuição efetiva e consolidada, por isso não o incluí na lista dos observatórios impressos.

Outro site que ruma à inversão da convergência é o Monitor de Mídia, de Santa Catarina, que já possui um programa televisivo no canal universitário TV Univali, O programa vai ao ar semanalmente pelo sistema de tv a cabo