quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Relexões sobre os personagens negros em Duas Caras

A novela global Duas Caras, deve ser uma das que mais possuem personagens negros em uma novela não épica. É também esta, uma das poucas novelas em que os negros não atuam apenas como empregados de patronos brancos e mesmo assim ainda está impregnada de signos que perpetuam o preconceito, étnico, social e de gênero na mídia brasileira. Vamos analisá-los um a um...

O primeiro deles é o núcleo do advogado Barretão, interpretado por Stênio Garcia. Sua filha se apaixona por um negro, o Evilásio, vivido por Lázaro Ramos. Em um dos capítulos ele diz claramente que não gosta desta raça, desta gente de cor. Será que precisamos levantar a bandeira do combate ao preconceito desta forma? Acredito que é muito melhor vencermos o racismo mostrando igualdade e não diferenças, ou melhor, de que somos diferentes, mas que todos devemos nos respeitar, independente de cor, raça ou credo. Seria muito melhor se ele aceitasse e recebesse de braços abertos o negro da favela dando uma lição de moral.

Ainda no núcleo do advogado, seu filho Barretinho passa boa parte dos capítulos assediando a empregada negra. Neste caso existe dois problemas: o da empregada assediada sexualmente e o de que tudo aponta que eles devem no final da novela ficarem juntos. Aí é a empregada negra sucumbindo ao patrão branco. Pode parecer que estou exagerando, mas o conjunto de códigos da novela me faz crer que é esta a idéia.

Ainda num dos primeiros capítulos da novela, um dos assessores do vilão Marconi Ferraço dizia que era melhor logo expulsar os invasores da área onde hoje cresceu a favela, antes que eles aleguem serem descendentes de quilombolas e o governo cedesse o terreno. Uma simples frase contribui para desconstrução dos movimentos e comunidades que almejam serem reconhecidos de descendência quilombola. Esta frase os coloca como aproveitadores de uma situação de reparação. A mesma emissora há pouco tempo publicou matérias em que anunciava fraudes em processos de reconhecimento de comunidades quilombolas na Bahia.

Outro ponto a ser discutido é o personagem da atriz Adriana Alves, a morena, ex-namorada do Juvenal Antena. Ela sumiu por dez anos e agora reapareceu com o título de Condessa de Finzi Contini. Ela conseguiu o título após casar-se com um italiano rico e muito velho. Logo tornou-se viúva, a condessa retorna ao Brasil. É o típico caso da mulher, principalmente da mulata brasileira tipo exportação, que se envolve com os gringos e ficam ricas no famoso golpe do baú. Ainda que houvesse amor, entre ela e o marido falecido, a forma como ela se reapresentou a colocou com uma prostituta aproveitadora.

Rudolf Stenzel é um aluno negro da Universidade Pessoa de Morais e considerado um mau exemplo, já que nunca frequenta as aulas e mobiliza politicamente alguns outros alunos. No último capítulo que assisti, Rudolf dá uma queixa de racismo contra o reitor Fernando Macieira, personagem de José Wilker. A queixa então é discutida por todos, já que, sem conhecer o aluno por suas ausências, o reitor o chama de Zumbi, no sentido de morto-vivo. O episódio fortalece a desconstrução das denúcias de preconceito feitas por pessoas e movimentos negros no país, já que coloca o caso como uma má interpretação do negro. Neste caso é verdade, mas na maioria das vezes não é caso de má interpretação e a Vênus platinada quer que imaginamos que seja.

Até na favela da Globo, a maioria da população é branca e o líder também, indo contra toda a realidade da maioria das favelas do país. No caso da Amap (Associação de Moradores Portelinha), o líder Juvenal Antena é branco, sua assistente é branca, seus capachos, na maioria são brancos, apenas seu sucessor, o Evilásio é negro. Apesar de existir um núcleo essencialmente negro, do terreiro de Mãe Setembrina (Chica Xavier), a maioria dos moradores da favela também são brancos. E este este núcleo ainda sofre com a repressão dos evangélicos...

Digo que tal personagem é branco ou negro de acordo com o senso-comum, já que num país mestiçado como o nosso é muito difícil definir o que é branco ou que é negro. Quando falo de questões raciais também faço baseado no senso-comum, já que não comungo do termo e acredito que ao dizermos "sou da raça negra" só reforçamos a estratégia de segregração branca de tempos passados, já que somos todos de uma única raça, mas de etnias, origens e referências diferentes.

Não faço parte de nenhum dos movimentos negros do país, pois não comungo com nenhuma das ideologias adotadas, mas também não desvalorizo suas lutas e conquistas. Este texto é apenas a minha visão sobre a novela e espero levantar um debate sobre o tema.

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